Cresce a pressão pela retomada da obra de Angra 3. Contratada em 1983, ela parou poucos anos depois. Reiniciada em 2010, foi novamente interrompida em 2016, por dificuldades financeiras e pela corrupção. Este problema deve ter sido considerado superado com a condenação, na Lavajato, do então Presidente da Eletronuclear. E para seu financiamento há ofertas do lobby nuclear que corteja, via russos e chineses, os países desavisados dos riscos dessa tecnologia. A Eletronuclear multiplica gestões em Brasília e promove Seminários para obter apoios: em 4 de dezembro em Angra dos Reis, em 18 de Dezembro em Resende.
Mais uma vez a obra se reinicia ignorando-se que o seu projeto é obsoleto quanto à segurança, como ocorreu em 2010? Nem o Ministério Publico vai intervir, como o fez, sem sucesso, em 2010?
Elaborado nos anos 70, na ditadura, evidentemente não podia levar em conta o acidente de tipo novo, até então considerado impossível, ocorrido no final dessa década, em 1979, em Three Miles Island, nos Estados Unidos. “Falhas múltiplas” levaram ao descontrole da temperatura e o reator fundiu.
Tais acidentes podem provocar uma catástrofe, como se verificou em 1986 na União Soviética. A usina de Chernobyl explodiu, espalhando partículas radioativas, com grandes territórios interditados por centenas de anos para a presença humana e milhares de pessoas evacuadas sem levar nada. A radioatividade provocou grande número de mortes, muitas gerações serão ainda afetadas. Uma nuvem radioativa cobriu toda a Europa e o Brasil importou leite radioativo da Irlanda...
A Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA editou normas para evitar tais acidentes ou pelo menos mitigar seus efeitos. O que se exigiria de nossas autoridades? Adequar o projeto de Angra 3 a essas normas. Foi o parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, que deveria licenciar a obra. Mas esse parecer foi simplesmente engavetado e o licenciamento concedido.
Um terceiro acidente desse tipo ocorreu em 2011, no Japão, em Fukushima, com a fusão de três reatores e consequências como as de Chernobyl. Nem assim aqui no Brasil foi revista a decisão de reiniciar a obra sem readequar o projeto.
Em Seminário Internacional em 2016, no Senado Federal, um assessor ministerial em segurança nuclear, da Alemanha, disse que a usina de referencia de Angra 3 é a similar de Grafenrheinfeld, em seu país, que foi uma das primeiras desativadas quando seu governo abandonou a opção nuclear. Segundo ele, hoje, na Alemanha, uma usina como Angra 3 nunca seria licenciada, por uma questão de segurança.
Há relação entre a grave irresponsabilidade da CNEN e a corrupção? A Andrade Gutierrez, construtora contratada, dava propinas ao Presidente da Eletronuclear para obter aditivos ao contrato de 1983. Revisto o projeto ela perderia esse contrato. O esforço de reconstrução da imagem desse Presidente – um herói nacional vítima de interesses estrangeiros! - seria uma cortina de fumaça?
Longíssimo de Chernobyl e Fukushima, no Brasil não podemos avaliar as consequências desses acidentes. Não surpreenderá que no Plano Nacional do setor nuclear, em elaboração, Angra 3 ganhe prioridade, com o mesmo projeto. Na infelicidade de algo ocorrer em Angra 3, as vítimas serão os moradores da região e também os do Rio ou de São Paulo, segundo queiram os ventos... Que em 2018 não permaneçamos silenciosos! É uma exigência de cuidado com a vida humana.
*Originalmente publicado na Folha de S. Paulo.